(eu, eu mesma; por Charles Ventura)Balbuciou algo que não consegui escutar. O radinho de pilha abafava o som da voz dele.
Só me atentava aos seus gemidos abafados, sua respiração ofegante e desritmada. O suor irrigava nossas peles e encharcava o lençol. No quarto, uma mistura de incenso, perfume de quinta e cigarro.
Eu era volúpia e só. Pensava em uma única coisa: ter ele em mim. Dentro de mim. Para mim.
Sua boca era quente, me bebia, sussurrava, me calava. Afoito, explorava meu corpo como se essa fosse a primeira e última vez. Eu delirava, me contorcia, o beijava.
Não me interessava se estava sendo puta ou não. Nunca consegui manter minha razão intacta perto dele. O cheiro dele, me embriagava tão rápido quanto um vinho barato. Mas também não queria ser racional. Queria ser instinto, gozo, prazer, luxúria.
Agora a noite estava quase no fim. Ele dormia com um ar de vitorioso, um sorriso de canto de boca e a certeza que tinha se saído muito bem. Eu ainda estava acordada, tentando acalmar esse mar de sensações que continuava agitado em mim.
O cheiro do meu cigarro e do sexo pelo quarto eram tentadores. Queria acordá-lo. Queria tudo de novo, mais uma vez...
Levantei enrolada no lençol, caminhei até a janela. Mais um dia se levantava junto com o sol.
Pensei no quanto eu o desejava para mim, no quanto eu o queria perto; pensei o quanto a gente se combina, se dá bem; pensei que ele seria o cara que não pensaria duas vezes em viver junto. Podia até arriscar dizer que era bem mais que paixão.
Mas sentimentalismos baratos sempre me deram calafrios. Sempre tenho a sensação que me torno uma idiota vulnerável.
Acendo outro cigarro e termino a taça de vinho esquecida. Olho mais uma vez a fumaça se desmanchando no ar.
Ele continua dormindo. E naquele momento ele é o meu homem. Chego perto do seu ouvido disposta a dizer que era meu, mas o medo de ser clichê me impede.
Prefiro me deitar em seu peito. Quem sabe ele não consiga ouvir o quanto eu o quero.
P.S.: A música que tocava no radinho de pilha nessa hora, era
essa.