sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Dias imprevisíveis, por favor.

Esses dias, enquanto dançava ao som do radinho de pilha de um estranho que estava no ponto de ônibus, pude chegar mais uma vez à conclusão que o excitante da vida é essa condição de ser imprevisível.

Andar sem rumo e mesmo assim chegar a algum lugar, virar uma esquina e tropeçar com o surpreendente, seguir em frente e reconhecer um olhar desconhecido. Falar sem saber se alguém está gravando suas palavras; dizer não querendo dizer sim, e sim quando não. Ri do nada. Chorar de tudo. Ser mais e menos. Se doar sem saber se irão lhe querer.
Não ter coisa alguma ao alcance do seu controle.

Transar com a vida todos os dias, brincar em suas curvas, explorar suas idas, suas vindas; senti-la em posse, senti-la dançar fora do ritmo...
É assim que quero que imprevisivelmente aconteça.




Todos os dias.


terça-feira, 20 de outubro de 2009

De ser yin-yang



Enquanto ele rói as unhas impacientemente, ela, deitada no sofá, canta Elis e suas mil perguntas sem respostas. Olha-o andar de um lado a outro da sala, com uma expressão tensa. "Sempre cora as bochechas quando está nervoso", pensou nisso e deixou escapar um riso.

Ele sempre reage assim a um problema. Anda a casa toda, senta mas já levanta na mesma hora, perde seu sono pelos cantos, esquece de comer. Esbraveja, grita, cala. Ora quer desistir de tudo, mandar tudo pro inferno e sair por aí sem rumo; ora diz que irá resistir, que não irá entregar as coisas assim tão fácil.
Ela por sua vez é seu oposto. Respira fundo e segue a cantarolar ou contar até dez; isso sempre resolve. Se agarra à Sra. Calma e não desgruda. Chega a ser irritante tamanha serenidade. Não faz bico, careta, nem fecha o tempo; prefere sorri. E sorri com tanta ternura, com tanto gosto, que contagia tudo que está em volta.

Há dias em que tudo são suspiros: riem da mesma piada sem graça; cantam juntos músicas que ninguém mais quer ouvir; dançam ao som do trânsito caótico lá fora; adivinham as nuvens; sussurram juntos.
Mas também há aqueles dias em que um não entende a língua do outro: ela quer azul, ele traz vermelho; ele fala vitamina de banana e ela café com pão; ela quer colorido, ele preto e branco; ele quer ver o boletim de esportes, ela quer saber como anda o tempo. Ele quer amor, ela só sexo.

Discordam, desafinam, se estranham. Mas resistem à esses dissabores.

Porque sabem que uma pessoa não ama outra só porque é educada, veste-se bem e é fã do Caetano ou Elis. Isso são só referências, detalhes, bônus.
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pelo silêncio, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera. Não requer conhecimento prévio, nem vastas experiências de vida. Ama-se justamente pelo o que o amor tem de indefinível.

Ama-se por ser exatamente igual, por ser exatamente oposto.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Apenas pensei...

(eu, eu mesma; por Charles Ventura)

Balbuciou algo que não consegui escutar. O radinho de pilha abafava o som da voz dele.
Só me atentava aos seus gemidos abafados, sua respiração ofegante e desritmada. O suor irrigava nossas peles e encharcava o lençol. No quarto, uma mistura de incenso, perfume de quinta e cigarro.
Eu era volúpia e só. Pensava em uma única coisa: ter ele em mim. Dentro de mim. Para mim.
Sua boca era quente, me bebia, sussurrava, me calava. Afoito, explorava meu corpo como se essa fosse a primeira e última vez. Eu delirava, me contorcia, o beijava.
Não me interessava se estava sendo puta ou não. Nunca consegui manter minha razão intacta perto dele. O cheiro dele, me embriagava tão rápido quanto um vinho barato. Mas também não queria ser racional. Queria ser instinto, gozo, prazer, luxúria.
Agora a noite estava quase no fim. Ele dormia com um ar de vitorioso, um sorriso de canto de boca e a certeza que tinha se saído muito bem. Eu ainda estava acordada, tentando acalmar esse mar de sensações que continuava agitado em mim.
O cheiro do meu cigarro e do sexo pelo quarto eram tentadores. Queria acordá-lo. Queria tudo de novo, mais uma vez...
Levantei enrolada no lençol, caminhei até a janela. Mais um dia se levantava junto com o sol.
Pensei no quanto eu o desejava para mim, no quanto eu o queria perto; pensei o quanto a gente se combina, se dá bem; pensei que ele seria o cara que não pensaria duas vezes em viver junto. Podia até arriscar dizer que era bem mais que paixão.
Mas sentimentalismos baratos sempre me deram calafrios. Sempre tenho a sensação que me torno uma idiota vulnerável.
Acendo outro cigarro e termino a taça de vinho esquecida. Olho mais uma vez a fumaça se desmanchando no ar.
Ele continua dormindo. E naquele momento ele é o meu homem. Chego perto do seu ouvido disposta a dizer que era meu, mas o medo de ser clichê me impede.
Prefiro me deitar em seu peito. Quem sabe ele não consiga ouvir o quanto eu o quero.




P.S.: A música que tocava no radinho de pilha nessa hora, era essa.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Escape...


Quando o segundo virar um século; quando o sol entristecer e o dia ficar nublado; quando todas as suas ideias esgotarem e a de terceiros não couberem em você.
Quando falar é em vão e o silêncio é constrangedor.
Quando o imprescindível se tornar descartável e o fulgaz se tornar o eterno...

Não pense que chegou ao fim da trilha.
Oxigene-se, observe, ouça!
Respire fundo e olhe ao seu redor quantas vezes for preciso.
Sempre há algo que passou despercebido ou que foi ignorado pelos nossos olhos.
Abra-os!

Porque nem sempre andar com os olhos vendados na corda bamba será o melhor espetáculo.