É de menina que nasce em Dinorah a vocação para a promiscuidade. Despertava nos meninos, os pensamentos mais audaciosos, ardentes e impróprios à idade. Seu cabelo grande e negro, exalava um perfume que parecia embebedar os pequenos.
Na adolescência, quando as curvas começaram a delinear e a valorizar seu corpo, percebeu o encanto que causava nas criaturas tolas do sexo masculino. Vangloriavam-se só por ter um falo! Patéticos!
Fazia questão de realçar o colo com um profundo decote, o que se tornava um banquete para os olhos famintos da rapaziada. Provocava e invadia os sonos molhados dos garotos inexperientes. Incitava, desafiava a experiÊncia dos homens crescidos, dos mais tradicionais aos mais sórdidos, sem esquecer daqueles de idade mais avançada. Gostava de ser olhada, venerada, bajulada. Gostava dos presentes, dos mimos, das serenatas em sua janela. E não se incomodava com as línguas e os dedos a apontá-la das beatas que a condenavam por não esconder seu corpo. Não tinha a menor vocação para ser santa e não iria cobrir a beleza que tinha. Pensava somente que a inveja um dia iria corroer essas desocupadas.
Quando finalmente se tornou mulher, foi mais odiada ainda. Os homens iam a sua casa procurar abrigo, afago, sua pele cheirosa, sua pequena camisola de renda e outras coisas que não encontravam nas esposas. Em casa só achavam o grito das crianças, a confusão de panelas na cozinha e obrigações de pai e marido. E a noite, quando pensavam em aproveitar a vida de casado, tinham que se contentar em apenas ouvir as demoradas orações de todo santo dia. Na casa de Dinorah não. Encontravam uma noite inebriante de prazer. Desbravavam-se por todo seu corpo voluptuoso, parecendo que era esse o último dia de suas vidas.
Tudo estava em sua rotina na cidade. A modorra de sempre, os velhos na praça a curtir o ócio, tudo normal. Até que um bando de desordeiros invadiram e apavoraram toda a pacata cidade e seus habitantes. Quebraram, sujaram, roubaram, causaram o caos. O líder do bando, um sujeito de pensamentos imundos e sem caráter nenhum, ordenara aos seus subordinados que matassem todos, sem motivo, por pura diversão.
Foi quando avistou Dinorah. Sentiu seus instintos sacudindo-o por dentro e um desejo súbito de ter aquela carne ao seu dispor.
Decidiu então dar àquelas pessoas uma chance se ele, em troca, pudesse desfrutar da bela mulher que tinha aos olhos.
Desesperados, todos suplicaram a ela que aceitasse o acordo. Suplicaram que ela, a odiada puta, os salvassem. Comovida e pela primeira vez contrariada em saciar um homem, atendeu ao pedido do povo e dominou seu algoz. Pela primeira vez, ela desejou que a noite passasse depressa. Ele, um animal insaciável, lambuzou-se e deleitou-se a vontade. Dinorah teve de controlar seu asco e satisfazê-lo.
Quando surgiu o dia, sentiu o alívio invadindo o quarto junto com a luz do sol. O sujeito medonho se levantou, arrastou seu bando e sumiu no mundo.
Dinorah foi até a janela, respirou fundo e ficou olhando a movimentação lá fora.
Foi encarada pelos mesmos olhos de repreensão e ódio de antes. Segurou o choro, e pensou no quanto eram ingratos. Mas logo em seguida sorriu. Não podem fugir da verdade dos fatos: a puta se tornou heroína!
[Texto baseado na história de Geni, da canção "Geni e o Zepelim" de Chico Buarque]