Não, não tinha nada a dizer.
Na verdade tinha, mas a raiva se fez nó. Engoliu as ásperas palavras que ia esbravejar; desceram arranhando-lhe a garganta. E no estômago, um embrulho que só.
Sim, tinha muito a lhe dizer!
Tinha que dizer a ele que ela:
- Odiava a toalha molhada em cima da cama e as roupas espalhadas no chão. "Cachorro!". Não era empregada dele.
- Odiava quando ele esquecia a tampa do vaso sanitário levantada. Custava alguma coisa baixar a droga da tampa?!
- Detestava encontrar a jarra de água vazia. Por acaso, só o reizinho tinha direito a água gelada?
- Surtava quando ele a gritava pela casa, parecendo um louco, por não saber onde enfiou a porcaria da pasta de trabalho dele.
- Tinha crise de nervos quando ele jurava de pés juntos que não fora ele que mexera nos discos dela. A quem ele queria enganar com aquela carinha de quem não fez nada, se na testa dele tinha "culpado" com direito a néon?
- Odiava quando ele tentava justificar o que não se podia justificar. A insistência dele a enlouquecia.
- Explodia quando ele desmarcava algum compromisso com ela só pra ver o futebol do domingo com os amigos!
No fim da tarde, ele chegou do trabalho. Ela pensou "É agora que esse filho da mãe vai ouvir.". Foi para a sala com tudo e desarmou-se.
Ele estava com um buquê de rosas vermelhas e uma garrafa de vinho. "Droga! esse patife..."
Chegou próximo a ele, que foi logo arrancando-lhe um beijo. Nessa noite ele cozinhou para ela, lavou os pratos e dançou com ela. Eles se amaram.
Na cama, ela o olhava. Estava dormindo. Tinha se saído muito bem naquela noite. Foi então que ela pensou o quanto ela adorava:
- O jeito dele, um pouco dissimulado.
- Do sorriso maroto quando tinha alguma idéia; principalmente na cama.
- Como ele sempre sabia o que ela estava sentindo: advinhava seus suspiros, seus "grrrs"; seus olhos.
- Quando ele, preocupado, cancelava todos os compromissos do dia quando ela ficava doente. Às vezes, era um simples resfriado...
- O jeito que ele tinha de lidar com sua TPM do cão! A paciência de ouvir as suas queixas de como estava gorda, feia e faminta. Oh Céus!
- Quando ele alugava filme de terror mesmo sem ela gostar. Ele sabia que ela o abraçaria com medo. E ele a aqueceria satisfeito por ser seu protetor.
- Quando no meio da noite a cobria. Acariciava seus cabelos e a envolvia com seu braço.
- As surpresas que ele sempre fazia para ela. Não precisava ter data especial; qualquer momento era propício.
- Dos incansáveis sussurros de "Te amo" ao pé do ouvido, o cheiro do perfume barato...
Realmente não tinha
NADA a lhe dizer.
Era seu homem, seu amigo...seu bem querer.
Beijou-o e dormiu entre seus braços.